Camila participa do meu curso de performance no Parque Lage. Ela trouxe uns livros e trocou por uma leitura de uns trechos selecionados e pelo pedido de poder usar a palavra difícil. Eu não sou contra a palavra “difícil” apenas uso a estratégia de evitar o uso do difícil como desculpa pra uma tentativa de ação tímida. Afinal tudo é difícil, mas se fosse fácil não chamavam a gente 😉
Depois ela me mandou os trechos que leu:
Leitura parresiástica do difícil
Essa noção de parresía, de fala franca, constitutiva do personagem desse outro indispensável para que eu possa dizer a verdade sobre mim mesmo, tornou-se agora, evidentemente, para nós, muito difícil de apreender.
Michel Foucault, A coragem da verdade, p. 8
Em suma, para que haja parresía, é preciso que, no ato de verdade haja: primeiro, manifestação de um vínculo fundamental entre a verdade dita e o pensamento de quem a disse; [segundo], questionamento do vínculo entre os dois interlocutores (o que diz a verdade e aquele a quem essa verdade é endereçada). De onde essa nova característica da parresía: ela implica uma certa forma de coragem, coragem cuja forma mínima consiste em que o parresiasta se arrisque a desfazer, a deslindar a relação com o outro que tornou possível precisamente seu discurso. De certo modo, o parresiasta sempre corre o risco de minar essa relação que é a condição de possibilidade de seu discurso. Isso pode ser visto claramente, por exemplo, na parresía-condução de consciência, em que só pode haver condução de consciência se há amizade e em que o uso da verdade, nessa condução de consciência, corre precisamente o risco de questionar e romper a relação de amizade que, no entanto, tornou possível esse discurso de verdade.
Michel Foucault, A coragem da verdade, p. 12
A parresía é, portanto, em duas palavras, a coragem da verdade naquele que fala e assume o risco de dizer, a despeito de tudo, toda a verdade que pensa, mas é também a coragem do interlocutor que aceitar receber como verdadeira a verdade ferina que ouve.
Michel Foucault, A coragem da verdade, p. 13
Não se deixe enganar em sua solidão só porque há algo no senhor que deseja sair dela. Justamente esse desejo ajudará, caso o senhor o utilize com calma e ponderação, como um instrumento para estender sua solidão por um território mais vasto. As pessoas (com o auxílio das convenções) resolveram tudo da maneira mais fácil e pelo lado mais fácil da facilidade; contudo é evidente que precisamos nos aferrar ao que é difícil; tudo o que vive se aferra ao difícil, tudo na natureza cresce e se defende a seu modo e se constitui em algo próprio a partir de si, procurando existir a qualquer preço e contra toda resistência. Sabemos muito pouco, mas que temos de nos aferrar ao difícil é uma certeza que não nos abandonará. É bom ser solitário, pois a solidão é difícil; o fato de uma coisa ser difícil tem de ser mais um motivo para fazê-la.
Rainer Maria Rilke, Cartas a um jovem poeta, p. 64-65
[grifos meus]
Tudo isso por um pedido: permitir a existência do difícil.
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